Módulo I (aula 4) – dígrafo, dífono e encontro consonantal

 

fonologia dígrafo dífono encontro consonantal

 

 

Apresentação 

Olá! Esta é a quarta aula do Módulo I - Fonologia e Ortografia.

E hoje o seu objetivo é relembrar/aprender que...

=> o dígrafo ocorre quando duas letras são pronunciadas num único som;

=> dentro do dígrafo, temos a letra diacrítica, que é a responsável em alterar o som da outra letra, formando o dígrafo;

=> o encontro consonantal ocorre quando dois fonemas consonantais se encontram na mesma sílaba (encontro consonantal perfeito) ou em sílabas diferentes (encontro consonantal imperfeito);

=> o dífono ocorre quando a letra “x” é pronunciado com o som de “ks”, sendo um tipo particular de encontro consonantal (K+S).

 

               INÍCIO DO CONTEÚDO              

O dígrafo

O dígrafo ocorre quando duas letras são pronunciadas com um único som/fonema. Em CHAPÉU, por exemplo, as letras “CH” são pronunciadas num único som, que tem o som de “x”, como se a palavra fosse escrita assim: “xapéu”.

O processo de formação do dígrafo se dá mediante o uso de letra diacrítica, que altera o som da outra letra. Voltando ao caso de CHAPÉU: a letra “h”, que sozinha não tem som algum, muda a pronúncia da letra “c”, que passa a ter som de “x”. Logo, a letra “h” é a letra diacrítica nesse caso. Ela apenas está ali para indicar que “c” tem som de “x”. Portanto, “chapéu” tem 6 letras, porém 5 fonemas (já que “ch” tem um som).

 

Exemplos de dígrafos consonantais

Dígrafo

Símbolo

Exemplo

Transcrição Fonética

ch

[ ʃ ]

CHÁ

[ ʃˈa ]

lh

[ ʎ ]

PILHA

[ pˈi.ʎɐ ]

nh

[ ɲ ]

GANHAR

[ gɐ.ɲˈaɾ ]

rr

[ ʀ ]

BARRO

[ bˈa.ʀu ]

ss

[ s ]

PASSEIO

[ pɐ.sˈɐj.u ]

sc

NASCER

[ nɐʃ.sˈeɾ ]

DEA

[ ˈde.sɐ ]

xc

EXCETO

[ eˈsɛ.tu ]

gu

[ ɡ ]

FOGUETE

[ fu.gˈe.ti ]

qu

[ k ]

QUERO

[ ˈkeɾu ]


O dígrafo vocálico

Os dígrafos que vimos antes são formados por consoantes. Porém, é possível haver, também, dígrafos vocálicos. Eles aparecem quando ocorre a nasalização da vogal pelas letras “m” ou “n” (que funcionam como letras diacríticas).

Em CANTA, as letras “AN” são pronunciadas num único som, como se a palavra fosse escrita assim: CÃTA. Logo, a letra “N” é diacrítica, pois altera o som da letra “a”, tornando-a nasal e formando dígrafo.

 

Exemplos de dígrafos vocálicos

Dígrafo

Símbolo

Exemplo

Transcrição

Fonética

am

[ ɐ̃ ]

TAMPA

[ tˈ ɐ̃.pɐ ]

an

MANTO

[ mˈ ɐ̃.tu ]

em

[ ẽ ]

TEMPO

[ tˈẽ.pu ]

en

VENTO

[ vˈẽ.tu ]

im

[ ĩ ]

LIMPO

[ lˈĩ.pu ]

in

TINTA

[  tˈĩ.tɐ ]

om

[ õ ]

BOMBA

[ bˈõ.bɐ ]

on

PONTE

[ pˈõ.tɨ ]

um

[ ũ ]

ZUMBI

[ zũ.bˈi ]

un

FUNDO

[ fˈũ.du ]

 

Letra diacrítica

Conforme já vimos, a letra diacrítica é aquela que altera a pronúncia da outra letra, formando dígrafo. Na língua portuguesa, são letras diacríticas: h, r, s, c, ç, u (nos dígrafos consonantais); m, n (nos dígrafos vocálicos).

E por que estou explicando isso?

Resposta: porque em HOTEL, por exemplo, não há dígrafo em “HO”, pois a letra “h” não é letra diacrítica, visto que não está alterando a pronúncia de “o” (como acontece em chá, onde “h” altera o som de “c”, ou então em “linha”, onde “h” altera o som de “n”). O mesmo acontece em "hora", "hospital" e outras palavras do tipo (iniciadas com "h" mudo).

Portanto, a noção de letra diacrítica é muito importante para entender o dígrafo da forma correta.

O dígrafo e o ditongo

Os dígrafos “gu” e “qu” merecem atenção especial: só serão dígrafos se realmente forem pronunciados num único som, sem distinguir o som de "u". Então o “qu”, por exemplo, será dígrafo quando for pronunciado com som de “k”, como na palavra "quero" (kero). Caso contrário, se a letra “u” for pronunciada, então "qu" não será dígrafo, podendo formar ditongo com a vogal que aparecer logo em seguida, como ocorre em "aquário" (akuário). A mesma atenção devemos  ter com o "gu".

Veja os exemplos:

 

DÍGRAFO X DITONGO

Exemplo

Classificação

Observação

QUEIJO

dígrafo

“qu” é dígrafo, pois “qu” tem somente um som (“keijo”). A letra “u” não e pronunciada (não falamos “kueijo”, mas sim “keijo”)

QUADRO

ditongo

“qu” não é dígrafo, pois a letra “u” é pronunciada na fala (“kuadro”), formando o ditongo “ua”.

GUITARRA

dígrafo

“gu” é dígrafo, pois “u” não é pronunciado, fazendo com que “gu” tenha somente um som. Além dele, temos o dígrafo "rr".

GUARANÁ

ditongo

“gu” não é dígrafo, pois a letra “u” é pronunciada na fala, formando o ditongo “ua”.

QUANDO

dígrafo vocálico (“an”) e ditongo (“ua”)

em “quando”, “qu” não é dígrafo, pois a letra “u” é pronunciada; “an” é dígrafo vocálico “ã”; “uã” é ditongo, formado pela semivogal “u” e a vogal nasalizada “ã”. Ou seja: KDU.

 

 Encontros consonantais

O encontro consonantal ocorre quando há o encontro de dois sons consonantais na mesma sílaba (encontro consonantal perfeito), ou então em sílabas diferentes (encontro consonantal imperfeito). Importante ressaltar que no encontro consonantal, ao contrário do dígrafo, cada consoante tem seu som.

Portanto, em PRATO, temos o encontro consonantal “pr”. Trata-se de duas consoantes (“p” e “r”) com dois fonemas (som de “p” e som de “r”). Já em CHAVEIRO, mesmo que “c” e “h” sejam consoantes, não temos encontro consonantal, mas sim dígrafo, pois as duas consoantes estão representando apenas um som (“xaveiro”).   

Logo, é preciso prestar atenção aos sons envolvidos.

 

Exemplos de encontros consonantais

Tipo

OÃO

op-ção

imperfeito (sílabas diferentes)

FLANELA

fla-ne-la

perfeito (mesma sílaba)

INTACTO

in-tac-to

imperfeito (sílabas diferentes)

APTIDÃO

ap-ti-dão

imperfeito (sílabas diferentes)

BRAVO

bra-vo

perfeito (mesma sílaba)

GLOBO

glo-bo

perfeito (mesma sílaba)

ABDICAR

ab-di-car

imperfeito (sílabas diferentes)


O dífono

O dífono ocorre quando uma letra é pronunciada com dois sons (fonemas). Na língua portuguesa, isso ocorre quando a letra “x” tem som de “ks”, como em TÓRAX (“tóraks”), XI (“táksi”), XICO (“tóksico”), COMPLEXO (“complekso”).

Outros exemplos: fixo, anexo, toxina, reflexo, duplex.

Portanto, o dífono é um exemplo particular de encontro consonantal, pois se trata do encontro dos sons consonantais de /K/ e /S/ representados graficamente por única letra (“x”).

 

Encontro consonantal  e o dígrafo

 Mais uma vez, quero salientar que a análise do encontro consonantal deve ser realizada levando-se em consideração o critério sonoro. Portanto, na palavra GRANDE, temos somente um encontro consonantal “GR”. Não há encontro consonantal em “ND”, pois “n” é uma letra diacrítica (não tem som) e está nasalizando a vogal “a”, formando dígrafo vocálico com ela.

 

Palavra

Transcrição

(simplificada)

Observação

GRANDE

GRÃDI

“gr”: encontro consonantal perfeito

“an”: dígrafo vocálico /ã/

 

  PARTE II      A P R O F U N D A M E N T O   

 

Pode haver encontro consonantal com mais de duas consoantes?

Resposta: sim.

Evanildo Bechara, em sua Moderna Gramática Portuguesa, define encontro consonantal como “seguimento imediato de duas ou mais consoantes de um mesmo vocábulo” (2019, p.79) e cita, como exemplo de encontro consonantal, o grupo de letras “stm” na palavra “istmo”. Trata-se de um encontro consonantal de três consoantes na mesma sílaba (“ist-mo”). 

Na Novíssima Gramática da Língua Portuguesa, Domingos Paschoal Cegalla segue a mesma ideia, definindo encontro consonantal como a “sequência de dois ou mais fonemas consonânticos numa palavra” (2020, p.30). Um dos exemplos que o autor apresenta como encontro consonantal em sílabas diferentes é a palavra “obs-tá-cu-lo”, em que as consoantes “bst” não estão na mesma sílaba.

Outros nomes para a classificação dos encontros consonantais

Há gramáticos que denominam os encontros consonantais imperfeitos de encontros separáveis, ou disjuntos (já que ocorrem em sílabas separadas). E os encontros consonantais perfeitos podem ser chamados de encontros inseparáveis (já que ocorrem na mesma sílaba).

Por que LH é dígrafo?

Pergunta clássica: por que “lh” é dígrafo, se tem som de “li”?

Essa dúvida é comum, pois em certas regiões do Brasil, a pronúncia de LH se aproxima muito da pronúncia de “LI” (“pilha”/”pilia”; “família”/ “familha”). Porém, para a Fonologia, esses sons são tratados como diferentes, ou seja: “lh” não tem o mesmo som de “li”.

Leia em voz alta os pares abaixo, comparando os sons: 

LIA / LHA; 

LIE / LHE; 

LI / LHI; 

LIO / LHO; 

LIU / LHU. 

Perceba que o som de "i" é mais destacado em "li" do que no dígrafo "lh". Portanto, “lh” tem um som mais particular e específico que se distingue de “li”. Trata-se, portanto, de dígrafo.

Por que os dígrafos existem e de onde eles vieram?

De acordo com a Gramática Metódica da Língua Portuguesa, de Napoleão Mendes de Almeida, o dígrafo “corresponde a uma deficiência do alfabeto, ou seja, à inexistência de uma só letra para indicar som” (2024, p.63).

Segundo o autor, os dígrafos "ch", "lh" e "nh" não existiam no latim. Portanto, eles surgiram ao longo do tempo por meio de vários processos fonéticos.

O dígrafo “ch” originou-se de “pl” (ex: chuva veio de pluviam), “cl” (chave veio de clavem), “scl” (macho veio de masculum) e “fl” (chama veio de flammam).

O dígrafo “lh” veio do duplo “ll” latino e espanhol, como centelha (do latim scintillam) e embrulhar (do espanhol embrollar). Veio, também, do “l” latino que tinha a função de evitar hiatos, como mulher (do latim mulierem). O dígrafo “lh” também se formou a partir de quedas e combinações de letras, como abelha (da combinação “cl” do latim apiculam),  telha (da junção “gl” do latim tegulam), entre outros casos.

Quanto ao dígrafo “nh”, de forma semelhante ao “lh”, surgiu a partir das palavras latinas em que “n” era usado para evitar hiatos, como os casos de senhor (do latim seniorem) e venho (do latim venio). O dígrafo “nh” também originou-se de “d” (como em ninho, do latim nidum), do duplo “n” (como grunhir, do latim grunnire) e da combinação “gn” (como em cunhado, do latim cognatum).


  PARTE III      F I C H A M E N T O   

 

Dígrafo

Não se há de confundir dígrafo ou drigrama com encontro consonantal. Dígrafo é o emprego de duas letras para a representação gráfica de um só fonema já que uma delas é letra diacrítica

 (BECHARA, 2019, p.89)

 

Em palavras em que as duas letras se pronunciam, os grupos gu, qu, sc e xc não são dígrafos, como nos exemplos: agudo, aguentar, aquático, frequente, escada, exclamar.

(...)

Dígrafo não é encontro consonantal, pois representa um só fonema.

 (CEGALLA, 2020, p.31)

 

Letra diacrítica

É aquela que se junta a outra para lhe dar valor fonético especial e constituir um dígrafo. Em português as letras diacríticas são h, r, s, c, ç, u para os dígrafos consonantais e m e n para os dígrafos vocálicos: chá, carro, passo, quero; campo, onda. Portanto, na palavra hora não há dígrafo.

 (BECHARA, 2019, p.89 – grifos nossos)

 

 

Encontro Consonantal

Dá-se o nome de encontro consonantal ao grupamento de consoantes num vocábulo. Entre os encontros consonantais, merecem realce, pela frequência com que se apresentam, aqueles inseparáveis cuja segunda consoante é l ou r. Encontros consonantais como gn, mn, pn, os, pt, tm e outros não aparecem em muitos vocábulos. Quando iniciais, são naturalmente inseparáveis: gno-mo, pneu-má-ti-co, pti-a-li-na, mne-mô-ni-co, psi-có-lo-go, tme-se. Quando mediais, em pronúncia tensa, podem ser articulados numa só sílaba, ou em sílabas distintas: a-pto, ap-to; di-gno, dig-no; ri-tmo, rit-mo.

 (CUNHA & CINTRA, 2013, p.65)

 

Em palavras como samba, renda, lindo, não há encontro consonantal, porque, como já vimos, m e n, em final de sílaba, não representam fonemas, são letras nasalizadoras, têm a função de til: sãba, rẽda, lĩdo.

 (CEGALLA, 2020, p.30)

 

Certas combinações podem determinar a formação de grupos consonantais, ou de encontros disjuntos. É o caso, por exemplo, de bl: é grupo em ablativo (a-bla-ti-vo), e encontro disjunto em sublinhar (sub-li-nhar).

 (ROCHA LIMA, 2010, p.59)

 

Dífono

O encontro consonantal /ks/ é representado graficamente pela letra x: anexo, fixo. A esta representação se dá o nome de dífono.

 (BECHARA, 2019, p.79)

 

O encontro consonantal, a oralidade e a variante coloquial

No português brasileiro, há tendência para inclusão de uma vogal epentética entre as consoantes desses encontros, de que decorrem as pronúncias “abisoluto”, “adimitir”, “díguino”, “adivogado”, etc. Cumpre atentar para a pronúncia padrão quando mais adequada à situação discursiva.  

 (BECHARA, 2019, p.80 – grifos nossos)

 

Chamamos de epêntese o desenvolvimento de um fonema no interior de um vocábulo. Por exemplo: peneu – pneu (trata-se aqui de uma vogal epentética)

 (2019, p.80)

 

Na linguagem coloquial brasileira há, porém, como dissemos, uma acentuada tendência de destruir esses encontros de difícil pronúncia [gn, mn, pn, os, pt, tm] pela intercalação da vogal i (ou e): di-gui-no, pe-neu, rí-ti-mo.

 (CUNHA & CINTRA, 2013, p.65 – grifos nossos)

 

Convém alertar mais uma vez para a importância de não confundir a realidade oral da língua e sua representação gráfica e visual. Muitas palavras escrevem-se como se contivessem encontros consonantais (ex: rapto, digno, absoluto, pneu, psicologia, amnésia, ritmo etc.). Na realidade oral, que é a que interessa para a fonética e a fonologia, esses vocábulos apresentam um som vocálico, ordinariamente [i], que “separa” as consoantes (epêntese); o que pronunciamos e ouvimos é rápito, díguino, abissoluto, peneu, pissicologia, aminésia, rítimo. Algumas pessoas se esforçam para evitar essa vogal e realizam uma pronúncia um tanto artificial, conhecida como “pronúncia alfabética”.

 (AZEREDO, 2021, p.424 – grifos nossos)

 

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Gramática Metódica da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Ed. CDB, 2024.

AZEREDO, José Carlos de. Gramática Houaiss da língua portuguesa. 5.ed. revista. São Paulo: Parábola, 2021. 

BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 39.ed. rev. e ampl. atual. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2019. 

CUNHA, Celso; LINDLEY, Cintra. Nova Gramática do Português Contemporâneo. 6.ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2013. 

LIMA, Rocha. Gramática normativa da língua portuguesa. 48.ed. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 2010.

Para consultar as referências gerais do site, que embasam todos os conteúdos, acessar a página Nova Gramática On-line (Referências).

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