Campo Grande (MS), 04 de junho de 2025
Prezados(as) consulentes,
Tenho estudado como as gramáticas abordam o conteúdo sobre versificação. E como é interessante refletir acerca das fronteiras entre a prescrição gramatical e a liberdade poética.
Pense rápido: se alguém perguntasse a você "o que gramática tem a ver com poesia", o que você responderia? Será que é preciso conhecer regras gramaticais para escrever e apreciar poemas?
Bem, eu sempre admirei os poetas. Sabe por quê? Porque um filme tem duas horas para envolver e emocionar o espectador, um livro tem 200 páginas para cativar e prender o leitor, mas um poema tem alguns versos para traduzir a complexidade de emoções que mexem com a alma humana desde que o mundo é mundo. Afinal, todo poeta tem apenas duas mãos e o sentimento do mundo. O sentimento inteiro do mundo para ser processado, lapidado e transformado em versos que atingem o coração e se tornam memoráveis.
Sabe aquela sensação de ter uma ideia, mas não saber expressá-la em palavras? Pois é... a tarefa dos poetas é justamente traduzir o ser humano, o mundo, o universo e tudo o mais em palavras.
Poetas rabiscam, pincelam, retratam, esculpem a felicidade, a tragédia humana, a saudade, o amor, a tristeza, o êxtase, os heróis, os fantasmas, o desconcerto diante do mundo e tantos outros sentimentos que nunca nem jamais caberão em fórmulas matemáticas, pois a incógnita é parte intrínseca da natureza humana. A matéria-prima do poeta é a ciência humana pura, imprevisível, inesperada, inexata por excelência. E é justamente por isso que o poema não é algo elementar, por mais simples que possa aparentar.
A poesia, meus amigos, é mágica. O poeta finge tão bem a dor que deveras sente que nem conseguimos captar o segredo do truque. Quando menos esperamos, somos nós, leitores, que estamos olhando para o espelho e então percebemos que não tínhamos este rosto de hoje, assim calmo, assim triste, assim magro. É tarde demais: fomos fisgados pela poesia; agora ela habita dentro de nós, reverberando seus versos dentro da nossa alma. De vez em quando ela brinca, dança até o sapato pedir pra parar e aí tiramos o sapato e dançamos o resto da vida. Noutras vezes ela é dura, amarga, difícil de engolir; e então, percebemos que o preço do feijão não cabe no poema, nem o preço do arroz. A poesia nos atropela, nos enterra, nos eleva aos céus e nos derruba.
E o que a gramática tem a ver com poesia?
Naturalmente, a teoria gramatical não é pré-requisito para se escrever ou apreciar poemas. Entretanto, da mesma forma que um leigo em teoria musical pode não ter a mesma percepção de um musicista ao escutar uma canção e se arrepiar com seu nível de complexidade, um leigo em gramática pode não reconhecer, num poema, todas as sutilezas e nuances do poeta em usar, brincar e até mesmo transgredir a gramática normativa. De repente um poema aparentemente simples pode revelar, aos olhos mais atentos, uma sofisticação digna de análises e estudos em dissertações de mestrado e teses de doutorado. Cada detalhe importa, seja a posição do adjetivo diante do substantivo, a construção da sintaxe, o uso da ordem direta ou inversa, a escolha de palavras, um neologismo aqui, um artigo definido ali, um artigo indefinido acolá, uma gradação, uma pontuação realçando um determinado sentido, uma palavra polissêmica, uma sequência de palavras com a mesma tonicidade, uma ideia que ficou flutuando nas entrelinhas...
Dessa forma, a gramática, especialmente a gramática do "vovô viu a uva", não pode ter um fim nela mesma. A teoria gramatical, aliada à teoria literária, deve servir ao texto e, por conta disso, pode tornar mais significativa a experiência da leitura de textos literários, da mesma forma que um cinéfilo assiste várias vezes a Casablanca e percebe coisas que uma pessoa comum não percebe; da mesma forma que alguém com um mínimo de conhecimento musical escuta pela primeira vez a Elis Regina cantar Como nossos pais e percebe que está diante de algo que não é deste mundo.
Afinal, uma pedra no meio do caminho não é apenas uma pedra no meio do caminho.
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